Labat, Jean Baptiste: Missionário francês, da Ordem dos Dominicanos (1663-1738). Embora Labat tenha realizado diversas viagens como missionário e publicado relatos de suas viagens pela Europa, África Oriental e Caribe, ele não chegou até a Costa dos Escravos. Labat escreve sobre essa Costa e sua população por meio da descrição do francês, Chevalier des Marchais, que esteve no reino de Uidá a serviço do Rei da França.
53 a 54
Reino de Uidá
palavras-chave
Práticas rituais / Realeza (festas, protocolo de corte, gestos)
Práticas rituais / Gestos / Bater palmas
Práticas rituais / Gestos / Prostrar no chão/beijar o chão/jogar terra sobre a cabeça
Práticas rituais / Especialistas religiosos / Identidades (títulos, terminologia)
Entidades espirituais / Rei divinizado (monarquia sagrada)
[…] Porque desde que este momento alegre chega, ele [o rei] não é mais visto como um homem, ele torna-se, de repente, uma espécie de divindade da qual alguém só se aproxima com um profundo respeito, que ele recebe por causa do culto prestado às divindades do país[.] Ainda é necessário ser chamado ou ter solicitado a permissão, para poder ser admitido na presença do Rei. Quando chega-se à porta da Sala de audiência, prostra-se o ventre em terra, avança-se rastejando e quando chega-se a uma certa distância do trono e que ele deu a permissão de falar, batendo ligeiramente suas mãos uma à outra fala-se com ele em tom /55/ baixo e poucas palavras, sempre tendo a face contra o chão. Ninguém está isento da lei incômoda e humilhante desse cerimonial, os maiores Senhores do Reino ali são súditos como os outros. Somente o Capitão do Harém e o grande Sacrificador podem entrar no Palácio sem para isso pedir permissão; porém, se eles desejarem falar ao Rei, eles são obrigados, como todos os outros, de o fazer na postura que eu acabo de descrever.
60 a 61
Reino de Uidá
palavras-chave
Entidades espirituais / Serpente
Práticas rituais / Realeza (festas, protocolo de corte, gestos)
Práticas rituais / Especialistas religiosos
Práticas rituais / Sacrifícios / Humanos/Execuções
Práticas rituais / Oferendas
O grande Sacrificador, que é chamado sempre de Beti,
não deixa de ir /61/ no dia seguinte ao Palácio às dez horas da manhã, e ordenar
ao Rei, por parte da grande Serpente, as oferendas que ele deve fazer nessa
ocasião. Como essa pretensa divindade não fala, seu Sacrificador, que é
intéprete de suas vontades, ordena o que lhe agrada, e mesmo que ele ordenasse a oferenda das mulheres que o Rei mais ama, seria necessário obedecer e as imolar. Eu não sei se ele já
chegou a esse extremo. Ele foi relativamente moderado no coroamento de Amar, Rei de Juda
que ora reina, entronizado no mês de Abril do ano de 1725.
61 a 62
Reino de Uidá
palavras-chave
Entidades espirituais / Serpente
Cultura material / Instrumentos musicais / Tambor
Cultura material / Instrumentos musicais / Trompete/flauta...
Práticas rituais / Realeza (festas, protocolo de corte, gestos)
Cultura material / Bandeira/estandarte
Cultura material / Milho/sorgo/milhete/farinha/arroz
Práticas rituais / Sacrifícios / Animais
Práticas rituais / Especialistas religiosos / Identidades (títulos, terminologia)
Cultura material / Esteiras
Práticas rituais / Oferendas
Cultura material / Azeite
Custou apenas a vida de um boi, de um cavalo, de um
carneiro e de uma galinha. Esses quatro animais foram sacrificados no Palácio e
em seguida levados em cerimônia no meio da praça pública e postos sobre
esteiras. Colocaram-se, ao lado das vítimas, nove pequenos pães de milhete bem untados
de óleo de Palma, depois o grande Sacrificador enfiou no chão uma vara de nove a
dez pés de comprimento, no alto da qual ele tinha amarrado um /62/ pedaço de
pano em guisa de bandeira ou de estandarte. Essas vítimas permaneceram expostas
nesse lugar até os pássaros as devorarem, sem que fosse permitido a ninguém mudá-las
de lugar e ainda menos levar algum pedaço delas para comer, sob o risco de serem
mortos. Pouco se importam se o odor que esses corpos mortos exalam incomoda os
vizinhos ou os transeuntes. Toda essa cerimônia se faz com o barulho de
tambores, de flautas, de trompetes e de gritos de alegria, que o povo solta da melhor
maneira que puder.
62 a 63
Reino de Uidá
palavras-chave
Cultura material / Instrumentos musicais / Tambor
Cultura material / Instrumentos musicais / Trompete/flauta...
Práticas rituais / Realeza (festas, protocolo de corte, gestos)
Práticas rituais / Cantos/cantigas
Cultura material / Esculturas/figuras
Cultura material / Esculturas/figuras / Terracota
Tão logo a cerimônia de exposição termina, as mulheres
de terceira classe do Rei, ou seja, aquelas que por sua idade ou por qualquer
outra razão não são mais propícias para os prazeres do Rei, saem do Palácio em
número de dezoito, elas andam seriamente duas a duas. Na frente delas vêm as
flautas do Rei com quatro de seus tambores, elas são escoltadas por vinte fuzileiros;
a mais importante dentre elas vai por último e carrega uma figura de terracota
que representa toscamente uma criança sentada que ela põe no chão e que ela deixa
junto das vítimas; elas cantam, tanto indo como voltando, uma canção, /63/ de
modo bem afinado com os instrumentos. Todos aqueles que se encontram no caminho
dessa trupe se retiram para deixá-la passar, prostram-se e soltam um grande grito de alegria, o que eles
continuam a fazer até essas mulheres entrarem
no Harém. Então faz-se uma descarga de vinte morteiros, para avisar ao Rei e ao
povo que elas entraram.
63
Reino de Uidá
palavras-chave
Cultura material / Instrumentos musicais / Tambor
Cultura material / Instrumentos musicais / Trompete/flauta...
Práticas rituais / Realeza (festas, protocolo de corte, gestos)
Cultura material / Trono/cadeira...
Depois dessas duas cerimônias, todos os Grandes vão ao
Palácio. Eles aparecem, então, cobertos de suas jóias mais preciosas, acompanhados
de seus tambores, flautas e trompetes e escoltados por toda a sua gente com
armas. Eles entram sem se despir, porque o Rei não está presente, e vão se
prosternar, uns após os outros, diante do Trono que está vazio e saem depois de
prestadas as homenagens. A cerimônia de homenagem ao Trono dura quinze dias[.]